|  I Sou  a boca que tudo come, esplendor da criação. Comunico! Provoco! Transbordo e  teço encruzilhadas – do bem e do mal, a depender de quem vê e caminha. Contarei  a vocês a história de Ifá. Ẹnugbárijọ, sigo deglutindo e despejando ìtán, vazios, pedaços, laços no espaço. Hoje, o Anhembi é minha  estrada. Reverberem meus passos, minha voz. Rasguem o verbo pois eu sou vocês!  Sou humano, sou Èsù!
 II
 O  nada, avesso de tudo! Espelho do universo infindo, escuridão profunda. Um dia,  ali, Olódùmarè despertou.  Agito, borbulhas. Fagulhas! De um punhado de estrelas e do brilho dos planetas  um espasmo se fez. Estrondo! Tremor! A Terra se fez cabaça – Igbádù, existência – e a natureza se criou. E de minha amizade sincera  com Orunmilá, nascia a resposta de todo o sempre: Ifá! É ele quem reina sobre a terra. É ele quem sabe de todas as  respostas.
 
 III O  sol despontava em Ilé  Ifẹ̀, morada criadora dos Òrìsà. Foi na poeira do deserto que Ọ̀rúnmìlà ensinou aos seus filhos a filosofia do  bom caráter, a arte da adivinhação, a paz de todos os caminhos. Na verdade dos Ikin – Dendê que embrasa! – Odú revelavam o futuro e conectavam ao Ọ̀run, habitar sagrado dos deuses. A ancestralidade, nas melodias do Ìrofá, mostrava que o caminho da felicidade é de todos. Segredos  revelados, fundamentos plantados. Do berço Yorùbá, Ifá partiu  para espalhar sua magia sobre todo o planeta Terra, pois era hora da humanidade  conhecer a verdade.
   IV Se  a travessia se deu pela dor a redenção se deu pela fé. Com Ifá reinventado em terras distantes, Bàbáláwo e Ìyápẹ̀tẹ̀bí , homens e mulheres sabedores dos  segredos, assentaram o àsẹ nos muitos cantos das Américas. Lucumís, Vodus, Candomblés e  Encantarias transformaram um oceano de incertezas no renascimento de memórias  adormecidas nas águas do atlântico. Gira a gira Salvador, e corações inundados  de saudade espalharam o espírito por muitos diferentes lugares. E foram, esses,  os primeiros passos para que o Ilé-Brasil se tornasse a morada de Ifá para toda o sempre.
   V Água,  terra, fogo e ar! A ligação de Ifá com os quatro elementos naturais fez com que sua essência  não morresse e suas raízes se mantivessem de pé, em terras brasileiras, até  hoje. Pelos olhos do Ọpọ́n  Ifá – que é divido em quatro, um para cada elemento – é possível  enxergar vidas e caminhos onde os Odú ensinam sobre a dor e a delícia que é o Ser Humano. A partir  da correnteza das águas, é possível entender que, apesar das dificuldades, é  necessário seguir a vida como o fluxo de um rio que nunca cessa, sempre avança.  O arder do fogo ensina que é preciso ter calor pela vida, mas com enorme  cuidado para que as labaredas não se voltem contra o próprio humano. O ar,  livre e exuberante, mostra que a liberdade de ir e vir é um direito supremo. E  a terra, que dá alimento e sustenta, faz parte da energia vital que conecta os  homens às suas profundezas. A partir de oferendas aos Òrìsà e dos mandamentos de Ifá, interpretados com base na filosofia da natureza, a humanidade  aprende como a vida deve ser harmônica e respeitosa entre todos os seres –  lição, essa, ainda não compreendida por muitos.
 
 VI Ọ̀rúnmìlà, divindade da sabedoria, oferece a paciência  enquanto virtude que permite compreender as diferenças e respeitá-las…Respeitar  é lei! É hora do povo de axé vestir seu branco, manifestar sua fé e lutar  contra a intolerância religiosa. Baianas, em memória das eternas Ìyá, giram e  movimentam o vento dos antepassados para lembrar da força do matriarcado  afro-brasileiro em defesa da livre expressão. Mo júbá! Respeitos à Velha Guarda, detentora da sabedoria moldada pelos  percalços da vida! Saudamos os que pavimentaram o caminho até aqui e a  sabedoria que o tempo ensina! Às nossas crianças, pequenos Ikin, acreditamos na continuidade da luta, na manutenção das histórias  e do legado dos que vieram antes. Há de amanhecer um novo dia! Os sonhos não  sucumbirão!
 E  é por minha amizade com Ọ̀rúnmìlà que seguimos resistindo e ensinado que a  vida pode ser bela, apesar de tanta intolerância. É caminhando e marchando que  se encontra uma direção que libertará, de vez, os nossos sagrados. Cantemos Ifá e o respeito a todas as religiões de matriz africana pois “O  futuro é ancestral”. E nunca se esqueçam de uma coisa: Eu sou o caminho! Sou Èsù, aquele que, em cada encruzilhada, celebra o Brasil como seu  filho.
 Àsẹ, Mo  júbá. Avante, Tucuruvi! Que o sacrifício seja feito, aceito e  manifestado.
   GLOSSÁRIO DE PALAVRAS EM YORUBÁ  	      (Por  ordem de aparição) Ẹnugbárijọ (Enuguibarijó) = Qualidade de Exu que representa “a boca que  tudo come”.
 Ìtán (Itãn)= Histórias  contadas e vividas pelos Orixás. Sempre passam uma mensagem final ao  expectador.
 Igbádù (Iguibadú) = Elemento do culto de ifá,  assemelhando-se a uma cabaça, em que mora o princípio gerador de Ifá e do mundo.  Lá moram os segredos mais profundos de Ifá.
 Ilé Ifẹ̀  (Ilê Ifé) = Cidade  sagrada para os Yorubás que ficav localizada na atual Nigéria. Considera-se que  nela surgiram a humanidade e os orixás.
 Ọ̀rúnmìlà (Orunmilá) = Divindade que se confunde  com o próprio Ifá, pois é quem comanda os destinos dos homens e do mundo.
 Ikin  = Caroço seco do dendezeiro usado nos assentamentos de Ifá
 Odú = Significa destino e é a base do sistema de  Ifá. É através dos odus que se lê, no Ifá, os caminhos dos seres humanos pelos  quais ele passa e está predestinado.
 Ọ̀run (Orun) = Define o “céu” na cosmogonia  Yorubá, o paraíso espiritual. Se dá em contraposição ao Àiiê (plano terreno).
 Ìrofá (Irofá)  = Sineta em formato cônico utilizada pelo olhador para invocar as divindades
 Bàbáláwo (Babalaô) = É o líder espiritual no  culto de Ifá.
 Ìyápẹ̀tẹ̀bí (Yapetebí) = A esposa do Bàbáláwo, também  conhece os segredos de Ifá. Porém, não pode iniciar e nem consultar o oráculo  de Ifá.
 Ilé (Ilê)= Casa, morada.
 Ọpọ́n Ifá (Oponifá) = Bandeja de madeira na qual  são desenhados os símbolos dos Odú que aparecem no Oráculo conforme a caída do Ọ̀pẹ̀lẹ̀.
 Ọ̀pẹ̀lẹ̀ (Opelê ou Opelé) = Espécie de rosário no  qual são atadas sementes do dendezeiro
 UTRAS  PALAVRAS EM YORUBÁ Irùkẹ̀rẹ = Espécie de rabo de cavalo que  representa Ọ̀rúnmìlà Ìlẹ̀kẹ̀ Ifá =Fio  usado no pescoço
 Idẹ Ifá = Pulseira usado por iniciados
 Òkété = Ratazana, Rato grande. Mesmo que ewú. Tipo de roedor selvagem utilizado em certas prescrições de ẹbọ de Ifá.
 Fìlà = Chapéu usado por homens
 Ìbó =Instrumento usado no jogo de Ifá para fazer perguntas.
 BIBLIOGRAFIA     BENISTE,  José. Dicionário  yorubá-português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. JAGUN,  Márcio de. Orí:  a cabeça como divindade. Rio de Janeiro: Litteris, 2015.
 _________________ Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris,  2017.
 ________________ Ewé: a chave do portal. Rio de Janeiro:  Litteris, 2019.
 LOPES,  Nei. Enciclopédia  Brasileira da Diáspora Africana. 4 ed. São Paulo: Selo Negro,  2011.
 LOPES,  Nei. Ifá  Lucumi: o resgate da tradição. 1 ed. Rio de Janeiro: Pallas,  2020.
 SIMAS,  Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro:  Mórula, 2018.
 ARTIGOS “O  Futuro é Ancestral” – Katiúscia Ribeiro, 19 de novembro de 2020; https://diplomatique.org.br/o-futuro-e-ancestral/ |