
Sinopse
O Brasil samba que dá
Bamboleio que faz gingar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
(trecho do samba 'Aquarela do Brasil” de Ary Barroso)
Seria mesmo o Brasil, a “terra de Nosso Senhor"?
Será que Nosso Senhor teria orgulho ao ver que “sua terra”, o Brasil, é um dos países mais violentos do mundo, o país em que mais se mata LGBT+ no mundo?
40% das mortes que acontecem no mundo, de pessoas desta comunidade, ocorrem aqui no Brasil!
A cada 28 horas morre uma pessoa LGBT+, são seres humanos que foram assassinados ou que cometeram suicídio, vítimas de uma sociedade que persegue, condena, exclui, agride, violenta, mata, ou apenas vê tudo isto acontecer, e se cala.
Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte
Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte
E tenho pensado comigo, Deus é brasileiro e anda do meu lado
E assim eu já não posso sofrer no ano passado
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.
(trecho da música "Sujeito de Sorte" de Belchior)
A história de vida desta comunidade, é uma história de enfrentamento e resistência à uma sociedade, que com muita violência ainda hoje quer impor um modo único e exclusivo de existência (COMISSÃO DE FRENTE), e tudo o que estiver fora desse modo único de viver, é criminoso, patológico ou pecado.
Como foi que chegamos a este ponto?
Como tudo isso começou? O que a história nos conta?
Mas, eu me pergunto?
Qual história?
A história oficial?
Quem escreveu a história oficial? E com quais intenções?
Hoje já se sabe que muitas das histórias que nos foram contadas, passaram longe da verdade. Foram narrativas construídas pelos colonizadores, para gerar uma história heroica, e pelos que detém o poder e que intencionalmente buscavam silenciar e invisibilizar pessoas e fatos reais. A lista de apagamentos de histórias e saberes é imensa.
Como tão bem cantou a Estação Primeira de Mangueira no carnaval 2019:
"Brasil, meu nego deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um Brasil que não está no retrato"
(trecho do samba enredo: “História pra ninar gente grande")
Vamos então conhecer o "avesso" da história e ver como toda esta violência por aqui começou.
SERIA PECADO?
Antes que os homens aqui pisassem nas ricas e férteis terris Brasilis
Que eram povoadas e amadas por milhões de índios
Reais donos felizes da terra do Pau Brasil
(Trecho da música "Curumim chama Cunhatã que eu vou contar")
O fato é que os portugueses ao chegaram, encontraram vivendo neste lugar os povos originários, que tinham a sua própria cultura, sua culinária, dança, música, arte, como qualquer outro povo.
No campo dos comportamentos eles notaram que haviam:
• Alguns índios do sexo masculino que faziam os "afazeres das mulheres" (tecer, cozinhar limpar), e com índios do mesmo sexo mantinham relações afetivas e sexuais,
• E algumas índias que se juntavam aos índios nas "atividades dita dos homens" (caça e pesca), e que com outras índias eram casadas.
O que chama mais a atenção nesta revelação, é que estes indígenas, membros das tribos Tupinambás, Tupinaés, Guaicurus, Botocudos, Bororós, Coerunas, entre outras, estes seres considerados pelos europeus como "desviantes", apesar do seu modo de vida diferente da maioria, eles não eram hostilizados, agredidos ou separados pelos membros de suas tribos. (ALA 1 /AS TRIBOS)
...pois na sua história o índio, é a o exemplo mais puro, mais perfeito, mais belo
Junto da harmonia, da fraternidade e da alegria
Da alegria de viver, da alegria de amar...
(Trecho da música "Curumim chama Cunhatã que eu vou contar")
Alguns relatos em cartas deste primeiro contato descreveram os povos originários como inocentes e puros, mas, outros os descreveram como devassos e bestiais.
O curioso é que bem antes destas terras serem "descobertas" ou invadidas, o nome Brasil já designava uma ilha fantasiosa que no imaginário europeu. Era uma das tantas representações do paraíso terrestre. (TRIPÉ/ A ILHA BRASIL/ O PARAÍSO NO IMAGINÁRIO).
Esta ideia parece ter se confirmado no imaginário dos navegantes portugueses que num primeiro momento, ao avistarem nossas terras, pensaram tratar-se de uma ilha, e a batizaram de Ilha de Vera Cruz.
Os indígenas que viviam em harmonia neste paraíso tropical, pareciam ter compreendido ao observar a natureza, que a beleza estava nas diferentes formas e nas diferentes cores existindo em harmonia (PRIMEIRO CASAL/ A HARMONIA DAS CORES).
A Coroa portuguesa ao tomar ciência das descobertas iniciou o processo de ocupação do território e colonização do povo, com a intenção de promover o esvaziamento desta identidade.
Sim, eles ensinariam aos indígenas que sua cultura era indesejada, sua sociedade representava o atraso, sua religião era desprovida de fé, seus afetos eram errados e o amor por eles praticado era pervertido.
A nação brasileira seria construída para ser um Brasil português, cristão, europeu, feito para portugueses.
Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
(trecho da música "Fado Tropical" de Chico Buarque e Rui Guerra)
Caberia à Igreja, ao cristianismo, dar fim a tão triste e depravado estado destes errantes. Eles viam o Brasil como um lugar perfeito para a ação do demônio, e uma vez que o corpo indígena era visto como um reflexo da natureza corrompida, era então preciso dominá-lo, a qualquer custo.
Tudo isso claro, fazia parte dos planos da Providência Divina! Era a "Astúcia de Deus”, que faria o bem por linhas tortas, e isso legitimaria qualquer violência, até mesmo a extinção.
Suas caravelas então atravessaram um mar por eles infestado, com seus mais vis sentimentos sombrios e desejos repressores, repletos de hipocrisia, de prepotência, de crueldade, de ganância, de desejo de poder e de falso moralismo.
Foram os europeus que trouxeram para os povos originários a ideia do pecado, do diabo e do inferno. (ABRE ALAS)
obs. Vamos também nos inspirar no "O Auto da Barca do Inferno", ou o Auto da Barca da Moralidade, obra de dramaturgia escrita pelo escritor português, humanista Gil Vicente em 1517.
Em nome da fé muitas violações e violências foram e ainda são cometidas. O fanatismo e fundamentalismo religioso negam a diversidade, mais do que isso, buscam aniquilar a diversidade, por isso tem um impacto direto nas violências que são produzidas contra os LGBT+.
Em nome de uma leitura literalista das escrituras, se salva o dogma e a doutrina, enquanto se sacrificam pessoas.
É texto, fora de contexto, usado como pretexto, para promover muita dor, fazendo pessoas acreditarem que elas precisam escolher entre o seu desejo ou caminhar com Deus.
A religião quando capturada pelo fanatismo, se torna dogma, regra, uma verdade petrificada num texto que não da conta da beleza e da diversidade da vida. E assim, ela se torna dispositivo de indiferença, violência e produção de ódio (SEGUNDO CASAL/ O PECADO).
“A letra mata e o espírito dá vida" (II Coríntios 3:6)
SERIA CRIME?
Para impor seus dogmas e corrigir os errantes, não bastaria apenas a condenação ao inferno, era preciso criminalizar, judicializar estes atos e condenar as pessoas que cometessem o pecado indigno de ser nomeado..., o pecado nefando..., pecado que não se pode falar, quanto mais cometer.
Os primeiros códigos penais aplicados no Brasil estabeleciam que:
• Toda pessoa, homem ou mulher, que de qualquer maneira cometer o pecado da sodomia (se relacionar sexualmente ou amorosamente com pessoa do mesmo sexo), seria queimado, e feito por fogo ao pó, para que nunca de sua sepultura possa haver memória;
• Que todos seus bens seriam confiscados e entregues à Coroa de nosso Reino;
• Que seus descendentes, caso os tenham, seriam considerados infames por três gerações;
• Que os homens que andassem em trajes de mulher, ou mulheres que andassem em trajes de homens, receberiam penas que variavam de açoite público até o exilio por três anos em outra colônia;
• Que quem conhecesse e não denunciasse um sodomita, perderia todos seus pertences e seria exilado em outra colônia;( forçando as pessoas a não conviver com os "errantes");
• Mas, aquele que denunciasse, e o crime fosse confirmado, este teria direito a metade dos bens confiscados do condenado, ou no caso de não haver bens, a Coroa concederia ao denunciante um prêmio de cem cruzados.
Aí se estabeleceram as condições para a morada da cobiça, da ganância, das armadilhas, das extorsões e chantagens. (ALA 2/ A CRIMINALIZAÇÃO E A COBIÇA).
Com o passar do tempo os códigos penais foram sofrendo alterações, mas somente em 1831, ou seja, trezentos e trinta anos após o descobrimento é que a homofobia deixou de ser crime.
Coube a partir daí às portarias policiais e a censura estatal, coibir e condenar à detenção, os atos que atentassem à moral e aos bons costumes.
SERIA DOENÇA?
Ainda que a religião siga até os dias atuais regulando dimensões importantes da vida social, no século XIX, ela dividirá sua visão com os saberes científicos, que com a pretensão de racionalizar a sexualidade humana promoverá um deslocamento de foco.
De um pecado contra a natureza migra-se então para uma patologia, um quadro clínico, uma doença.
Foi assim, que milhares de brasileiros tiveram seus direitos e sua dignidade usurpados, sendo internados compulsoriamente, por suas famílias, em clínicas e até manicômios.
Quantas barbaridades foram cometidas?
Quanta humilhação e tortura psicológica sofreram vivendo à base de remédios, sendo submetidas até a tratamento com eletrochoques?
Apesar de suas teses e propostas de cura, a ciência falhou em comprovar que a homossexualidade era de fato um distúrbio mental, e as sociedades médicas precisaram rever suas classificações. (ALA 3/ O ENGANO MÉDICO CIENTÍFICO).
Em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria, tirou a homossexualidade da lista de doenças.
Em 1975 a Associação Americana de Psicologia retirou a homossexualidade do rol de transtornos psicológicos.
Em 1991 a Organização Mundial de Saúde excluiu a homossexualidade da classificação internacional de doenças.
Em 1999 no Brasil o Conselho Federal de Psicologia proibiu a oferta de tratamento chamado de “Cura Gay", afirmando que "A Psicologia brasileira não será instrumento de promoção de sofrimento, do preconceito, da intolerância e da exclusão".
Infelizmente setores conservadores e religiosos da sociedade tentam ainda hoje, fazer valer práticas curativas e procedimentos terapêuticos para alterar a orientação sexual de pessoas. Isto fez com que, em 2019 a ministra Carmem Lucia do STF, determinasse em liminar a proibição das terapias de reversão sexual no Brasil.
Afinal, não há tratamento nem cura, para o que não é doença!
Sim, sou muito louco
Não vou me curar
Já não sou o único
Que encontrou a paz
Mas, louco é quem me diz
E não é feliz
Eu sou feliz!
(trecho da música "Balada para um Louco")
Por falar em doença e loucura, não há como não lembrar um dos episódios mais insano e cruel na história da humanidade, resultado do autoritarismo que se instalou na Alemanha, após a primeira grande guerra.
O Nazismo, movimento político social marcado por ideais extremistas, responsável pelo extermínio de milhões de pessoas.
Entre as vítimas, estimasse que um número entre cinco a quinze mil homossexuais, judeus ou não, foram enviados para os campos de concentração, por serem uma ameaça na perpetuação de uma raça pura.
Os homossexuais que foram identificados pelo triângulo rosa costurado em suas roupas de prisioneiros, recebiam os piores trabalhos do campo e os fisicamente mais duros.
Cientistas e médicos nazistas conduziram experimentos com eles e passaram a ordenar a castração dos prisioneiros com o triângulo rosa. (ALA 4/ A FACE DA CRUELDADE).
Tantos anos de opressão, preconceito e rejeição acabaram contaminando o lugar que tem uma das mais lindas missões, a missão de formar, inspirar e ensinar os mais nobres valores à crianças e jovens: a Escola.
Local de intenso convívio, vemos nestes espaços, e não é de hoje, o bullying acontecer. Prática de intimidar, constranger, humilhar, agredir, inferiorizar, discriminar e segregar os considerados mais frágeis e os diferentes.
São violências, verbais e físicas cometidas no dia a dia, dentro e ao entorno das escolas, reproduzindo muitas vezes o comportamento de adultos, e que podem causar danos emocionais profundos.
Zoação e violência não são brincadeiras, elas podem gerar cicatrizes que duram uma vida inteira. Machuca por dentro e por fora, destrói o coração e envenena a alma.
Uma infância feliz é aquela construída longe de qualquer forma de violência.
É preciso educar as crianças para que não seja necessário punir os adultos, já dizia Pitágoras, e não será com discursos políticos que visam o controle dos corpos e comportamentos, do tipo “menino veste azul e menina veste rosa” que conseguiremos isso. (ALA 5 / O BULLYNG).
Nos anos 60 nos Estados Unidos três movimentos importantes deram-se as mãos e posteriormente engrossaram as fileiras do movimento pelos direitos da comunidade LGBT que iria eclodir pouco tempo depois.
O movimento negro que partiu até para a luta para dar fim aos regimes de segregação e injustiça.
O movimento feminista que lutava pela igualdade de direitos das mulheres.
O movimento hippie que exaltava a paz, a vida comunitária e o amor livre.
Estes movimentos certamente mostraram à comunidade LGBT que vivia em guetos e que frequentavam bares clandestinos dominados pela máfia, que as coisas só mudam quando a gente muda. (ALA 6/ OS MOVIMENTOS IRMÃOS).
Os bares se configuravam como epicentro da vida homossexual, em Nova York, eram constantemente invadidos por policiais que passavam para receber suas propinas (por causa das bebidas alcoólicas) e aproveitavam para prender, humilhar, ameaçar denunciar e extorquir os frequentadores, num tempo em que ainda haviam leis que criminalizavam as relações homossexuais.
O que eles não imaginavam e que na noite de 28 de junho de 1969, no bar Stonewall, os gays afeminados, lésbicas masculinizadas, michês, drags, pessoas em situação de rua, LGBTI+, pobres, negras e latinas, que pertenciam ao submundo, e que por isso não gozavam de reconhecimento como cidadãs, iriam desobedecer as ordens, resistir e revidar as agressões.
Esta revolta foi para as ruas, criando marchas pelos direitos civis desta comunidade, não apenas naquela noite, mas em muitas outras, não apenas em Nova York, mas, por todo o mundo.
A comemoração de 1 ano da revolta instaurou a primeira parada do orgulho gay e esta parada passou a acontecer em diversas cidades do mundo e no Brasil também. A vergonha (homofobia internalizada) é um mecanismo poderoso graças a qual a ordem social os continha e os mantinha aprisionados, fazendo com que eles se escondessem, se tornassem invisíveis, para não serem identificados com aquela categoria estigmatizada.
Era chegada a hora de se mostrar, de sair dos armários e gritar ao mundo seu orgulho de ser quem é! Não seria mais preciso coibir, refrear, dissimular, ocultar e disfarçar.
Como qualquer movimento social a parada nasceu da rebeldia contra o sistema, da revolta contra o preconceito e contra a exclusão dos seus direitos, mas no fim o que se quer é paz, paz para viverem suas vidas, ser quem são e usufruir seus direitos. Não se trata de uma paz omissa, como diz a canção do Rapa:
"Paz sem voz, paz sem voz, não é paz, é medo"
(trecho da música: "Minha Alma”)
Foi, e ainda é preciso ir para as ruas.
Tomados desta coragem, ocorreu, a partir daí, um aumento da quantidade de bares e boates LGBTS por todo o Brasil.
Agora eles teriam um lugar onde expressar sua arte em grandes shows, se divertir e viver de forma mais plena. (Medieval, Nostro Mondo, HS e Corintho e os bares 266 West, Val Improviso, Caneca de Prata, Ferro’s Bar, Moustache, Feitiço’s.) (SEGUNDA ALEGORIA/ STONE WALL/ OS ARMÁRIOS/ AS PARADAS E A NOITE LGBT+).
Os guetos se expandiram, mas a vida desta comunidade em bairros nobres das grandes cidades é bem diferente da vida de quem mora nas periferias.
Ser uma "bicha" negra, pobre, periférica, muitas vezes de família religiosa, impõe à estas pessoas enfrentamentos e dificuldades muito maiores.
Não dá para saber o que dói mais...se o racismo, a violência, as desigualdades, a discriminação, a falta de oportunidade, a exclusão, ou o preconceito por ser um LGBT+.
Uma realidade implacável que faz estas pessoas encontrarem em suas raízes ancestrais a força e a coragem para existir e resistir. (ALA 7/ CORAGEM ANCESTRAL).
Em 1982 uma grande tragédia se abateu sobre a humanidade com a epidemia do HIV/AIDS.
Divulgado pela imprensa inicialmente como uma “peste gay”, ou um "câncer gay", devido aos primeiros casos terem sido diagnosticados em homossexuais e por haver maior incidência no início justamente entre esta comunidade, o HIV/AIDS acabou trazendo de volta o estigma de doença e do preconceito.
Os governos conservadores no início pouco se sensibilizaram para o problema, ao contrário, viram nesta nova doença a possibilidade de dizimar uma existência indesejável.
Grupos religiosos viram na epidemia um “castigo divino” para a promiscuidade dos homossexuais.
Ocorreu que em 1983, um ano depois, no Brasil são identificadas as primeiras notificações em crianças, em mulheres e em profissionais da saúde, ou seja, a epidemia não atacava exclusivamente a comunidade LGBTQIA+, e seu vírus poderia ser transmitido por contato sexual, uso de drogas injetáveis, exposição e contágio através do sangue e seus derivados em transfusões sanguíneas, e por mulheres grávidas para seus filhos na gestação, no parto ou na amamentação, ou seja, a epidemia não atacava exclusivamente a comunidade LGBT+.
A comunidade em grupos organizados arregaçou as mangas e além de encontrar formas inovadoras de ativismo, foi pressionar e cobrar atitude das autoridades estatais e médicas, que em conjunto colheram bons resultados no tratamento e prevenção da epidemia, na divulgação de métodos contraceptivos, nas formas de prevenção e práticas sexuais que foram cada vez mais discutidos. De certa forma aa sexualidades saíram do armário, deflagrando uma epidemia de informação e o Brasil passou a ser referência mundial no combate ao HIV/AIDS.
A AIDS mata sim, mas o preconceito, a falta de informação, de solidariedade, de respeito, de carinho ajudam a AIDS a matar mais depressa (ALA 8/ A PESTE).
Foram anos tristes, com muitas perdas, inclusive artistas e personalidades que deixaram muita saudade. Cazuza, Renato Russo, Freddie Mercury, Zacarias, Lauro Corana, Betinho, Henfil, Michel Foucault, Sandra Bréa, Rock Hudson, Anthony Perkins, Rudolf Nureyev, entre outros.
Alguns autores dizem que o grupo LGBT+ é o que mais sofre preconceito, mais do que um grupo étnico. Uma pessoa negra nasce em uma família negra, e embora sofra um rechaço da sociedade, ela vai ser acolhida pela família. Agora uma pessoa LGBT+ na maioria das vezes vai nascer numa família que normalmente é contra ela. Muitas não vão encontrar nenhum suporte, nem na família, nem na sociedade.
Nada é mais aterrorizante do que ideia de rejeição por parte dos pais. O papel das mães é duas ou três vezes mais pesado. É muito comum escutarem dos maridos: “A culpa é sua de ele ser viado/ de ela ser sapatão; você sempre fez as vontades dele...deu nisso".
Algumas famílias, renegam, colocam condições impossíveis de serem seguidas, chegando a expulsar seus filhos de casa, mas, há aqueles, que acolhem, que abraçam e que mesmo com muito medo por seus filhos, se colocam como porto seguro, e, pela felicidade deles, escolhem ser pontes ao invés de muros.
Há muitas mães assim! (ALA 9/ ACOLHIMENTO DE MÃE/ BAIANAS).
Painho, um dos personagens mais famosos de Chico Anysio, era um pai de santo homossexual, cheio de trejeitos e afetações. Mesmo delineado com os traços fortes da caricatura, encontrava na realidade dos terreiros sua inspiração.
As religiões de matriz africana acolhem os homossexuais, homens ou mulheres e isto não foi empecilho para que se tornassem respeitados como sacerdotes e inscrevessem seus nomes na história de luta e resistência da religião.
Claro que ainda há alguns pontos para avançar, mas, parece que nos terreiros há vontade de acomodar cada coisa no seu tempo.
Religião e homossexualidade sempre pareceram andar em sentidos opostos, mas a postura dos povos de matriz africana, desde sempre, foi em outra direção. Isso rendeu ao candomblé mais um estigma e ratificou sua vocação para ser a grande religião dos excluídos. (ALA 10/ O ACOLHIMENTO DA FÉ).
Parafraseando Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem, por sua religião ou por sua identidade de gênero. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar ou no mínimo a respeitar".
Foi com esta intenção que o governo federal em 2009, depois de debater com organizações da sociedade civil elaborou um projeto chamado: "Escola sem homofobia", projeto que teve parecer favorável da UNESCO. A escola deveria ser local para se aprender a conviver com a diversidade, que no fundo é o que torna nosso mundo único e incrível.
Setores conservadores com interesses eleitoreiros, criaram uma versão mentirosa deste projeto, uma Fake News, apelidando o projeto pejorativamente como Kit Gay, dizendo que ele "estimula o homossexualismo e a promiscuidade".
Mais ainda, eles criam folhetos contra o "Escola Sem Homofobia" associando o movimento à pedofilia.
O que a homossexualidade tem a ver com a pedofilia?
Nada!
Cabe lembrar que 80% dos casos de pedofilia contra crianças é cometida por parentes ou amigos da família que se declaram heterossexuais.
Os absurdos se espalham feito pólvora como o infame caso da "Mamadeira de Piroca", vídeo alarmista que circulou pelos grupos de WhatsApp, denunciando um plano para distribuir mamadeiras fálicas em creches pelo país.
Sendo o brasileiro um povo irreverente, o humor uma arte que trabalha com o absurdo, e o carnaval em espaço para o deboche, podemos até dizer que "seria cômico se não fosse trágico". (ALA 11/ AS FAKE NEWS).
Nem mesmo a repressão endurecida dos tempos de ditadura, foi capaz de impedir que os artistas LGBT+ encontrassem nas artes o local ideal, de grande alcance para expressar sua arte, desafiando o binarismo e colaborando com as causas da comunidade. Foi a partir dos anos 70 que se iniciou o "desbum gay".
Na tv os programas de auditório abriram espaço para que as travestis pudessem mostrar seus corpos e seu talento nos programas do Bolinha, Raul Gil e Silvio Santos enquanto o mais irreverente apresentador, o Chacrinha, com um pirulito na mão perguntava para o auditório: “Quem gosta mais de chupar, o homem ou a mulher?".
O grupo Dzy Croquetes formado por homens que se vestiam de forma andrógina, colocou em xeque os papéis sexuais instaurados e introduziram a ambiguidade. Encantaram a juventude e a nacional e internacional fazendo sucesso até em Londres e Paris.
Nunca vi rastro de cobra
Nem couro de lobisomem
Se correr o bicho pega
Se ficar o bicho come
Porque eu sou é home'
Porque eu sou é home'
Menino eu sou é home'
Menino eu sou é home'
E como sou classe artística
(trecho da música: “Homem com H”)
Junta-se a eles a figura mítica de Ney Mato Grosso, que tanto no conjunto Secos e Molhados, como em carreira solo encantou multidões cantando com rosto maquiado, peito peludo nu e longas saias, ora com penas na cabeça, ora com chifres, usando um tapa sexo e rebolando freneticamente.
No teatro peças rodaram o mundo e fizeram sucesso por aqui também, como Hair Spray, Angels in América, Chorus Line, Rent, O Beijo da Mulher Aranha, entre outras.
No cinema tivemos os filmes como a Gaiola das Loucas, Vitor ou Vitória, Priscila a Rainha do Deserto que trouxeram para a telona a arte Drag que já vinha ganhando espaço na tv fechada com um programa, um reality, o de maior sucesso no mundo, Rupaul Drag Race.
A Arte Drag tomou de vez o espaço nas boates gays e os artistas comediantes brilham em programas de humor como Marcus Magela (Ferdinando), Nanny People, Lindsay Paulino (Rose a Empregada e Xuxeta), Suzy Brasil e Silvetty Montilla entre outras.
Na música artistas lésbicas são sinônimo de emoção como, Sandra Sá, Zélia Duncan, Ana Carolina, Maria Bethânia, Ângela Ror, Simone, Marginalia, Maria Gado, Gal Costa, Adriana Calcanhoto e Daniela Mercury entre outras.
A irreverencia do rock e do pop também se fez presente com Renato Russo, Cazuza, Lulu Santos, Marina, Cássia Eller, além de Edson Cordeiro.
As divas internacionais se tornaram ícones da comunidade.
Madona conheceu o vogue, nos bailes em NY, chamados de baals, lugar onde os excluídos da comunidade, gays, lésbicas, trans e travestis em sua maioria negros, pessoas que foram abandonadas por suas famílias, encontraram novos lares, novas famílias e espaço para artisticamente brilhar.
Esta febre também já chegou ao Brasil.
E por falar em Brasil, o samba que por muito tempo foi perseguido, e tanto preconceito sofreu, soube se unir à causa e defender uma das suas maiores artistas.
Em 1978 Leci Brandão corajosamente dá uma entrevista a um dos jornais de ativismo mais importantes da história do movimento, o Lampião da Esquina. Pessoas indignadas com a entrevista levaram o jornal para a ala dos compositores da Mangueira esperando uma expulsão, mas a Mangueira defendeu sua artista e disse que continuaria a respeita-la.
Novos artistas se juntaram a todos eles como Liniker, Ellen Oléria, Lin da Quebrada, Pablo Vittar, Glória Groove e Ludimilla entre outras.
Na moda e na indústria da beleza há uma gama gigantesca de nomes que fazem muito sucesso, de estilistas à cabelereiros, de maquiadores à influencers. (TERCEIRA ALEGORIA/ A COMUNIDADE NAS ARTES).
Hoje nesta festa todas as tribos, todos os corpos se juntam a nós neste manifesto carnavalesco!
De um lado as Barbies, gays musculosos com corpos esculturais, que lotam as academias, e do outro lado os ursos, gays peludos, geralmente com corpos fora do padrão, mais cheinhos e que gostam de vestir-se com peças em couro preto. (ALA 12/ AS BARBIES E OS URSOS).
Variadas identidades e comportamentos, como as Lésbicas, também chamadas de sapatonas ou caminhoneiras e as gays afeminadas, homens que se vestem e se comportam supervalorizando seu lado feminino. (ALA 13/ AS CAMINHONEIRAS E AS AFEMINADAS).
As travestis e pessoas trans certamente são os corpos que mais sofrem violência, pessoas que ao longo da história foram colocadas à parte da sociedade. A ditadura da violência contra elas não parece ter fim.
Morrem assassinados, e na maior parte das vezes esse crime tem traços de tortura, porque assim são os crimes de ódio, não basta matar, tem que matar devagarzinho, tem que torturar, tem que impor aos poucos o sofrimento para que a pessoa saiba e sinta porque está sofrendo e porque está sendo assassinada.
A maioria delas ainda muito jovens são expulsas de casa, e sem nenhum apoio vão para as ruas. Muitas tiveram que se prostituir e aprender a se defender das agressões e humilhações constantes. Contaram com a ajuda de outras iguais que tiveram mais sorte e que souberam fazer a diferença ao inspirar outras tantas a sonhar com uma vida melhor, como Rogéria, Roberta Close e Brenda Lee.
Brenda Lee usou todas as suas economias para abrigar inúmeras travestis no auge da epidemia da AIDS e batalhou para, em conjunto com o poder público, montar a primeira casa de acolhimento e tratamento para pessoas travestis, lugar conhecido como: “O Palácio das Princesas". (ALA 14/ AS TRAVESTIS E TRANSSEXUAIS).
Quase todos os avanços na conquista dos direitos desta comunidade, foram conquistados com muita luta, mas, ainda não temos leis aprovadas por nossas casas legislativas.
As conquistas somente foram alcançadas por ações na justiça, a maioria no STF, como reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo como uma entidade familiar, o direito à adoção por casais homo afetivos, e o direito de usar em seus documentos o nome civil e sexo escolhido por pessoas travestis ou transexuais. (QUADRIPÉ 4/ O CASAMENTO HOMOAFETIVO E O DIREITO À ADOÇÃO).
Sim, é pra festejar!!!!!
Em 2013 o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito ao casamento civil entre casais do mesmo sexo. (ALA 15/ O CASAMENTO HOMOAFETIVO).
Durante muito tempo, o carnaval brasileiro, com seu cortejo de homens travestidos de mulher, vendeu dentro e fora do país, a imagem de uma convivência pacífica da sociedade com a homossexualidade e com a bissexualidade. Carmens Miranda, Odaliscas, Ciganas, Piratas, Donas de Casa, tantos homens travestidos de mulher, construíram esta imagem. (ALA 16/ O CARNAVAL DE RUA).
Infelizmente isto ainda não é a verdade!
Mesmo quando as famílias paravam à frente da tv para ver a entrada dos glamorosos bailes gays, como o gala Gay, isto não era verdade.
Mas se tem algo que é uma grande verdade, é que se há um lugar onde a comunidade LGBT+ é imprescindível, este lugar é no Carnaval! Especialmente no desfile das Escolas de Samba.
São Mestres Salas e Porta Bandeiras, Reis Momos, Passistas e Malandros, Ritmistas e Mestras de Bateria, Coreógrafos e Musas, Cabelereiros, e Maquiadores, Desenhistas e Figurinistas, Aderecistas, e Costureiros, Chefes de Ala, Componentes e Harmonias, Destaques e Carnavalescos.
São eles, os LGBT+, que imprimem a arte do fazer carnavalesco, com talento, beleza e com amor. (ALEGORIA 4/ OS BAILES GAYS E AS ESTRELAS DO MEU CARNAVAL).
A todos estes artistas eu digo: Muito Obrigada!
Quem sou eu?
Eu sou a Estrela do Terceiro Milênio eu sou alguém que tem a sede de mudar este enredo, Não sou apenas um, sou uma comunidade!
Sou O Grajaú que está aqui pra fazer um manifesto carnavalesco e dizer que:
A gente vive junto
E a gente se dá bem
Não desejamos mal
A quase ninguém
E a gente vai à luta
E conhece a dor
Consideramos justa
Toda forma de amor
(trecho da música "Toda forma de amor”)
Desejamos que ninguém mais precise sofrer para ser quem é.
Que todos, mesmo diferentes, tenham direitos iguais.
O amor não é somente uma palavra, uma emoção ou sentimento, ele é sobretudo uma atitude, um modo de viver que nos humaniza, que nos faz comprometidos com a dignidade humana e com tudo que existe.
A gente não precisa ser negro pra lutar contra o racismo.
Não precisa ser mulher para lutar contra o machismo.
Não precisa ser LGBT pra agir contra a homofobia, a bifobia e a transfobia.
O que precisamos é SER HUMANOS.
O amor é o sentimento que mais TRANSforma.
Abrir o leque é metáfora de abrir a mente e o coração para ver a beleza de cada cor, afinal, como seria da vida se tudo e todos fossem de uma única cor?
Então vem com a agente participar deste manifesto carnavalesco, porque no carnaval 2025 a Estrela do Terceiro Milênio irá:
Muito além do arco-íris!
E pra você que for contra, nós diremos:
Tire o preconceito do caminho.
Que nos vamos passar com o amor.
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