|  Mãe, entidade suprema que guia nossa jornada. Figura que  nos traz tantos significados e representações pela vida afora. Que  nos faz sentir acolhidos,
 amados, ensinados e, também por muitas vezes, feridos.  Pois nem sempre
 compreendemos seus planos e vontades.
 A Mãe é no nosso nascimento, como é na origem do mundo. A  Mãe é o
 começo de tudo, apoio de nosso primeiro passo.
 Contam os ensinamentos Yorubás que Olodumaré criou o  conhecido e o
 desconhecido, o céu e a terra, o Orum e o Aye. Olodumaré  é o Deus supremo. E com
 a missão de povoar o nosso plano, o plano do Aye, ordena  a expedição da criação.
 Nela estavam Obatalá, Ogum, Exu e Odu, a primeira mulher.  Nossa primeira Mãe
 preta. A Mãe que carrega a cabaça no ventre, símbolo da  fertilidade e da criação. A
 fartura da terra. A fecundidade da vida.
   A Mãe é  a criação.           Mas Odu, que no cruzamento do Orum com o Aye, onde o  terreno e oespiritual se encontram, jurou nunca trair aos homens,  por eles foi traída. Feriram em
 mágoas o coração da Mãe. Em troca, Odu recebeu de  Olodumaré os poderes de
 Senhora do Destino destes homens.
 Um poder materno. Que rege, que ensina, que protege, que  educa e que
 castiga. Sim, pois a disciplina é uma forma de amor, como  o castigo é um gesto de
 cuidado. A forma de fazer compreender que nossos atos têm  consequências e que
 o caminho da paz e da compaixão sempre serão o norte a  seguir, mesmo que as
 vias pareçam tortuosas.
 Porque em nosso coração o Bem e o Mal são representações  daquilo que
 não sabemos explicar. Para criar ou transformar muitas  vezes é preciso demolir,
 desviar caminhos. Nem sempre se compreende com clareza as  intenções de uma
 Mãe.
 Odu é a primeira Iyami, que em Yorubá significa “Minha  mãe”. E as
 representações destas Iyamis se replicam nas tradições  sagradas de diversas
 formas.
 Contam as histórias dos griôs (aqueles que transmitem  nosso passado)
 que de Odu descendem todas as Iyamis. E que na criação do  Aye, nosso mundo, as
 Iyamis foram fundamentais para alcançar o equilíbrio. O  balanço entre a alegria e a
 dor, a saúde e a doença, o começo e o fim.
 A Mãe é a criação e o ensinamento. Criar é guiar. As primeiras descendentes de Odu se  materializaram emaves e estes pássaros habitaram os pilares de nossa  existência. Sete árvores
 míticas que regem nosso destino. Em seus galhos, todos os  sentimentos
 contraditórios e nem sempre compreensíveis de nossa  evolução. A vida e a morte, a
 fartura e a privação, a surpresa e a decepção. A  incerteza.
 As aves sobrevoam nossa vida e, com a visão ampla que o  vôo permite,
 compreendem para além de onde vão as colinas, as  montanhas e as barreiras que
 nos limitam os olhos. E assim são as mães. As mulheres  pássaro. As
 mulheres-eleié.
 A Mãe é a criação, o ensinamento e a guia. Para guiar é preciso ter força e conhecimento, como são  fortes e sábiasas mães pretas orixás, ou obirinsá. Elas que dominam as  forças da natureza e
 conhecem as imperfeições de nossa natureza, nossa  essência. Salubá Nanã! Ora Ye
 ye ô Òsun! Odoya Iyemonja! Epa hey Oyá! Ri Ro Iyèwá!  Akirô Oba Yê!
 Seu poder vem da consciência e do amor. Da humanidade de  nos
 reconhecer fracos mas dignos de nossa existência. E a  evolução vem da
 compreensão destas falhas e deste poder. Da certeza que  um poder materno nos
 guia em busca da evolução. E beber deste poder, por meio  da fé, nos faz homens e
 mulheres mais fortes.
 A Mãe é a criação, o ensinamento, a guia e a força. Às mães devemos respeito. Mais que respeito, devoção.  Como nosfestivais Gèlèdès, em que aqueles que cultuam as mães  pretas entoam cânticos
 (orin), evocações (oriki), saudações (ibá) e rezas  (adurá) a suas protetoras.
 Louvar às mães pretas é honrar seu nome, sua história e  aceitar seus
 ensinamentos. É compreender sua grandeza e sua  importância em nosso
 aprendizado. Demonstrar temor e acatar sua liderança. É  entender a nós mesmos
 pelos olhos da Mãe, os olhos de amor.
 Amor manifesto em muitas mães pretas, infinitas  representações de um
 mesmo sentimento, de uma mesma fé, embora muitas vezes  personificadas em
 diferentes símbolos. A estas mães pretas cultuamos e  pedimos bençãos.
 A benção Mãe preta Aparecida, Mãe preta Monila de Hipona,  Mãe preta
 Ifigênia. A benção Mãe preta Josefina Bakhita, a benção  Mãe preta Anastácia, a
 benção Mãe preta Nhá Chica. Ao som de atabaques, harpas  ou na voz crua e sofrida
 dos romeiros, é um mesmo sentimento que busca elevar aos  céus em palavras
 nossa submissão e respeito. A aceitação e agradecimento  por todo o amor.
 A Mãe é  a criação, o ensinamento, a guia, a força, o respeito e a devoção. |