Amazônia. Amanhece 
							neste continente verde, onde existe a maior fauna, a 
							maior flora, a maior reserva de oxigênio do planeta. 
							Será mesmo que amanhece? As árvores são tão altas e 
							copadas que a luz do sol não penetra até o solo. A 
							claridade não chega onde as plantas rasteiras cobrem 
							o chão.
							
							A grandiosidade da 
							selva e o domínio das águas, das chuvas, das 
							enchentes, predispõe o homem a acreditar nos mitos e 
							nas lendas. É muito difícil penetrar no mundo mágico 
							dos índios, embora já estejam em contato com os 
							civilizados há muito tempo.
							
							Dentro dessa 
							imensidão, o nosso rio do amor rola em prata azulado 
							na floresta, um manso caminho de água, a razão da 
							própria vida, seu sustento e ganha-pão. Ele nasce, 
							toma forma e vem amar com doçura de gigante, o corpo 
							de toda floresta. O rio e a floresta estão se fecham 
							num acordo misterioso. Ouvir este silêncio, a 
							linguagem muda do rio, ou os sons que vêm da mata, é 
							deixar-se tomar por uma estranha magia, por uma 
							calma sentida lá do fundo da alma. Esse respeito 
							você sente também nas pessoas que vivem à sua margem 
							e que lidam com o rio como uma coisa sagrada.
							
							A Amazônia constitui 
							um mar interno, de tamanho descomunal, cercado de 
							extensas e exuberantes terras. De infinito, a 
							Planície se perdia no horizonte. O Sol dava luz e 
							calor àquele mundo perdido, favorecendo a 
							fertilidade e a vida. A Lua dava orvalho e era mãe 
							protetora de pessoas, animais, plantas e coisas. No 
							exercício de seu domínio sobre aquelas brenhas sem 
							fim acabou nascendo um profundo amor entre os 
							astros, levando-os a um projeto de união 
							matrimonial. Contudo para que isso acontecesse, 
							teriam eles que abandonar sua trajetória celestial e 
							estabelecer-se no mundo terreno. Kanaxiwé alertou 
							que essa atitude tresloucada redundaria em uma 
							desgraça: a destruição daquele cálido paraíso. O Sol 
							queimaria a floresta e a Lua abandonaria ao 
							desalento e à morte todas as coisas existentes. O 
							orvalho apagaria o fogo; o fogo evaporaria a água. 
							Seria o fim de tudo.
							
							Frustrados de seu 
							sonho conjugal, os astros passaram a se encontrar 
							furtivamente para o lado do poente, aonde o Sol 
							costumava espiar refulgente a cada final de seu 
							trajeto diurno. Certo dia, Kanaxiwé descobriu o 
							delito de seus pupilos celestiais. Enfureceu-se e 
							decidiu empreender algumas transformações no mundo 
							selvagem. Um cataclisma sacudiu tudo. Um barulho 
							ensurdecedor ecoou por baixo e por cima da terra, do 
							céu e das águas. Todo o sertão se abalou, como se 
							estivesse solto no espaço. Os animais fugiram. As 
							pessoas desapareceram, ou correndo de medo ou 
							engolidos pela fúria telúrica. Montanhas descomunais 
							levantaram-se pelo lado do dormitório solar, subindo 
							para o céu e vomitando fogo. O mar interno agitou-se 
							com ondas gigantescas, para em seguida, secar. 
							Depois, uma floresta luxuriante cobriu toda a 
							Planície. O Sol foi afastado para bem longe, 
							prosseguindo em sua balística celestial. A Lua 
							apaixonada continuou procurando reencontrar o nicho 
							saudoso de seu amor inesquecível. Subiu a montanha 
							gelada. Nunca mais encontrou o Sol, o seu amante, 
							desterrado por Kanaxiwé. Desesperada, caiu em 
							pranto. Suas lágrimas se avolumaram, serpentearam 
							pelas encostas e depois caíram preguiçosas na 
							planura. Chuvas torrenciais engrossaram a torrente. 
							O caudal dirigiu-se para o nascente, forçando uma 
							saída para a Água Grande. Formou-se, então, um rio 
							de lágrimas, que os índios da grande nação 
							Waimiri-Atroari, ainda hoje chama de "aiakámaé" e 
							quer dizer Rio do Amor. É o Rio Amazonas
							
							Lenda que alude ao 
							cataclismo
							
							que deu origem ao 
							levantamento dos Andes
							
							e a formação da 
							Planície Amazônica.